Um projeto ambicioso do final do século XIX para ligar o nordeste de Portugal à cidade espanhola de Salamanca, inspirou os reis dos dois países a trabalhar em conjunto numa epopeia ferroviária. Do lado português a linha de caminho de ferro foi construída ao longo do rio Douro, enquanto que do lado espanhol a ferrovia usou o vale do rio Águeda (um afluente sul do Douro) para se erguer. Os portugueses ligavam assim a cidade do Porto à aldeia de Barca d’Alva, localizada no nordeste do país, junto à fronteira com Espanha.
Muitos anos depois, em 1985, resultado da emigração, migração urbana ou má projeção da procura, o lado espanhol eliminou a circulação de comboios entre Salamanca e a fronteira com Portugal. O mesmo fez Portugal, 3 anos depois, em 1988, quando Mário Soares limitou o trajeto do comboio até à aldeia do Pocinho, uns 19 km a noroeste de Barca d’Alva. Desde então que entre Barca d’Alva e o Pocinho permanece uma ferrovia morta, quase ingerida pela natureza. Mas por entre esta estreita passagem podemos ainda contemplar das mais bonitas paisagens do vale do Douro. Aí, sentimo-nos fora de sitio, forasteiros, como se nunca pudéssemos ser parte daquele puzzle. Apesar do clima muito seco e árido os nativos insistem em conseguir obter alguma coisa dos terrenos que por lá há, e plantam oliveira, videiras, amendoeiras e alguns citrinos ao longo do rio.
Há uns meses atrás o meu amigo e antigo blogger aqui, Pedro, desafiou os seus amigos a fazerem uma caminhada de Freixo de Espada à Cinta até ao Pocinho em dois dias. E foi isso que nos entreteve no fim de semana passado. No primeiro dia, sábado, caminhámos desde a bonita, antiga e generosa vila de Freixo de Espada à Cinta até Barca d’Alva. Já em Barca d’Alva, depois de um refrescante mergulho no Douro e de uma cerveja no Chico’s Bar, seguimos a velha e inactiva linha de caminho de ferro e caminhámos uns 2 km até encontrarmos o que nos parecia um bom sitio para pernoitar – uma casa abandonada que deveria servir alguém que trabalhava na manutenção da linha. Foi o nosso abrigo naquela noite.
Na manhã seguinte, depois de dormir 7 horas ao relento sob um intenso luar, e sem qualquer incidente, continuámos ao longo da linha de comboio em direção ao Pocinho. Chegámos lá por volta das 16h30, cansados, mas a tempo de apanhar o comboio para o Porto. Pelo caminho cruzámos várias vinhas, entre outras a Quinta da Granja (Ferreira), uma nova plantação e hotel da Quinta do Vallado, Quinta da Cabreira (pertencente à Quinta do Crasto) e Quinta de Castelo Melhor (Duorum). No total caminhámos mais de 50km, muitas horas com as temperaturas acima de 30ºC. Apercebemo-nos o quão duro e aborrecido pode ser caminhar sobre uma linha de caminho de ferro – pedras – travessas – pedras – travessas – pedras… Mas um bom grupo de amigos e uma paisagem apaixonante compensam tudo. Foi um fim-de-semana para recordar e certamente para partilhar convosco já que esta foi uma das mais extraordinárias aventuras que fiz.
Oscar